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WE 28, nº 2010, Cd. Nova IV

Belém, 1º de Março de 2012

Oi,
Eu pensei em tantas formas de começar essa carta. Tantas formas agora feitas de bolas de papel que transbordam minha lixeira. Mas o “oi” venceu. Parece-me um bom jeito de recomeçar, um oi amistoso, saudoso, quase suplicante. Eu estou dizendo oi, nesse momento. Várias vezes, oi, oi, oi. Oi!
Como se você pudesse ouvi-los, ouvir a saudade que rompe a cada pronúncia.
Faz tanto tempo desde que eu fui embora. Desde que palavras e gestos amargos foram ditos, retribuídos. Tantos machucados, orgulhos feridos. Eu ainda lembro-me de tudo, mas o que eu sinto? Eu sinto vergonha e tristeza. Aquilo não deveria ter acontecido. O motivo foi tão besta, e você, no final das contas, mesmo sob minhas acusações e atitudes agressivas, você só queria meu bem. Como sempre quis, aliás.
Sete anos, sete longos anos sem a sua presença perto de mim. Sem os seus ensinamentos diários, suas implicâncias, sua risada contagiante e verdadeira. Sua expressão de falsa maldade que parcamente escondia a bondade transbordante que você possuía.  Quanta saudade de todos os momentos, os bons e os ruins, os tédios compartilhados. Os silêncios conversadores.
Estou escrevendo essa carta pra expressar tudo isso, mas ela não é suficiente, nada é suficiente pra fazer você entender o quanto foi e o quanto é importante. O quanto eu me arrependo de não estar mais perto. Tudo por que nunca tive coragem, por que eu temia que você pudesse me rejeitar novamente, ou que eu percebesse que a sua vida foi melhor longe de mim. Que você sequer sentiu minha falta um dia, que você tivesse me esquecido.
Preferi, ao invés de encarar a realidade, seja ela qual fosse, me contentar com a vida que eu construí depois que fui embora. Uma vida tão cheia de incerteza, tão vazia. Uma vida que eu não queria admitir que fosse incompleta sem a sua presença segura, sem sua guia confiante. Será que eu estava fazendo as coisas certas? Eu vivia me perguntando, e no íntimo, respondendo que se eu fosse até você, você saberia as respostas todas. Por que você me conhecia mais do que ninguém, mais do que eu mesma.
Mas mesmo sob essa insegurança, eu reuni coragem para insistir, para te escrever e pedir perdão. Por que, eu preciso fazer isso, eu não consigo sem você. Sei que não é a forma corajosa, não seria com uma carta que você tomaria qualquer atitude, mas foi o jeito que eu consegui sem sentir tanta vergonha de mim mesma. E eu ainda sinto escrevendo. Sempre sentirei, acho que é meu castigo por ter sido tão irracional. A primeira e única tentativa de me redimir. Escrever a carta, colocar no correio e não esperar resposta. Como se não me importasse muito, embora eu tenha a certeza que ficaria vidrada nas correspondências a espera de um sinal. De que você viesse atrás de mim depois.
Eu ficaria... Se não estivesse aqui, escondida atrás do velho carvalho, vendo você ler essa carta parado na calçada, costume que você sempre tem. Morrendo de medo da sua reação e ao mesmo tempo tão grata por você não ter simplesmente rasgado e jogado tudo na lixeira. Por que por mais que eu esteja insegura, eu precisava insistir, por que mesmo que você tivesse se desfeito da carta sem ler, ainda assim eu iria sair para tentar falar com você, como vou fazer agora. Pra te dizer quantas vezes forem necessárias que...
Eu te amo tanto, pai.
Por favor, me desculpe.

Sua princesinha.

Um comentário:

  1. E então? Adorei a carta, a maneira com que se expressa e também nos faz refletir.
    Quantas pessoas não acabamos perdendo ao longo do caminho por culpa do nosso próprio orgulho e, claro, sem eximir a culpa dos outros, pelo orgulho deles também.
    Esta carta deve ser repostada no Dia dos Pais, é uma bela homenagem.
    Parabéns e sorte nesta edição.
    Sou seu quinquagésimo seguidor.

    http://escritoslisergicos.blogspot.com

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